Sem título 2

Sem título 2
Não sei que te diga.
Se morri, se sobrevivi
a diferença neste momento parece demasiado exígua
para suscitar sequer algumas lágrimas
ou um ligeiro esgar de solidão
que denunciaria a sobrevivência
por isso não sei
se fosse grande já estaria noutro lugar
quiçá noutro tempo
num dia de outro lugar
num sítio de outro tempo
espectros vacilantes
e ousadias mudas
não conferem mais verdade
nem mais vitalidade
a certidão está certa
certifica o certo, certifica só
os pavoneamentos têm de ficar para outra altura
as máscaras de tristeza são uma outra história
e as estrelas vão-se e vêm
verdadeiros troféus de luz
da luz eterna
do amor
do desdém de todo este asco!
oh, eu peço para partir
ou para ficar amparado por ti
embalado no meu mar, no teu marejar
cabelos revoltos como ondas que rebentam, antes de espraiar
na minha queda não implico ninguém
a dor é demasiada e a sanidade já não é muita
temos dor por cima das cabeças e não damos conta
dor por cima da pele, espalhada como manteiga
dor nos olhos, dor nos olhos
e uma tristeza ainda maior do que a solidão
entre os dedos trémulos
do destino
da força
do fado, que é um fado desgraçadinho
corridinho e escorridinho
manipular a matriz afinal não é tão fácil como apregoam
os vendedores de banha da cobra
e de felicidade alheia
que não lhes pertence
que não lhes é nada
nada de nada
assim, só resta o resto
e o resto é tudo
somos nós
sou eu e eu
e ainda eu
e eu
Na verdade está a força
na luz o apoio
na paciência o cenário de todas as vidas
dos milhares de anos à espera
de ti
quem sabe
quem não sabe
a maior parte não nos deixam
não nos deixam saber
sinto inúmeros cheiros, sabores, ideias e sentimentos simultaneamente
eu não devia ser eus
devia ser nil
porque o nada é tudo
e o pouco é muito
e o coração vazio está na verdade cheio
a casa vazia afinal cheia
a imensidão que a vista alcança
afinal é fértil de todas as oportunidades
de ser senhor, de ser árvore ou pedra
de ser algo que nos encha de orgulho
ou céu ou nuvem ou asas de condor
que são grandes e importantes
quem se importa com as asas dos rouxinóis?
Só com o seu canto, evidentemente
e a nossa força está no mar
na potência infinita da tormenta e do abandono
virtudes chuvidas dos céus
e malaguetas do destino
oh, apetece mesmo ir a correr pelos teus olhos a dentro
e perdermo-nos lá
lá longe de nós, longe de tudo
longe do longe
na pátria está a virtude
no igreja a maravilha
é preciso morrer para se viver
morrer para viver? Estão doidos, diz outra vez a voz
eu cá vou é ser o napoleão dos meus netos
e desfraldar as velas da disputa
nos mastros do alpendre
imperador do alpendre, que rico título
que rico apodrecer
tão lento, tão lento
que até dá sede
sede de beber água e vinho e mel
alcool cruel, traidor infame
porque fazes isso às criancinhas?
Hoje as nuvens acastelam-se de novo
para assistir ao morrer do dia
ao nascer duma lua tão lua como nunca tiveram
ao nascer dum luar demasiado
demasiado
demasiado para mim