Sunday, March 27, 2005
purificação
e depois retorno, à minha rua
é a minha rua mas é diferentemente a minha rua
tudo é mais brilhante e intenso
há mais vida, mais calor, mais amor
até parece que a gravidade enfraqueceu e somos mais leves
são as consciências... mais leves porque absolvidas e vingadas
e podemos enfim respirar
abrir a narinas e inalar toda a pureza de uma vida nova
Wednesday, March 23, 2005
Monday, March 21, 2005
Sunday, March 20, 2005
e ... de repente
e ... de repente, sou um livro, uma palavra, uma letra ... tão insignificante quanto necessária
e sinto ... sinto um frémito que abrange a palavra que sou, a linha onde me transformo, a página que serei
e o livro ... o livro que fui
e, subitamente, reparo que esse frémito vem das letras ... é um gigantesco protesto de todas as letras
agrilhoadas, presas umas às outras em livros fechados, sem sol
Bibliotecas como imensas penitenciárias cheias de inocentes acorrentados, que protestam, vibrantes
Saturday, March 19, 2005
nunca teria
Não, nunca teria sido eu o culpado, senão não podiam os reis aparecer em azul,
nem os papagaios amarelos enforcados em cedros do líbano,
nem as estrelas do mar a tomar saunas de limão enquanto chove lá fora
nem as ventoinhas inexistentes dos nossos tectos insistiriam em cantar pela praia fora, principalmente ao entardecer
nem as cartas do enfado teriam a lucidez suficiente para voltarem da lua devagar
não, nunca teria sido eu o culpado, se as coisas tivessem sido o que deveriam ter sido
Wednesday, March 16, 2005
e
e é preciso fazer um esforço monstruoso
para depilar as ideias de serpentes que nos assolam,
para destilar as sombras dos monstros da noite que,
enquanto espalhamos amor pelo mundo,
nos vêm à beira da cama e da insanidade
fazer gestos obscenos que furam madrugadas e luares
e nos fazem pensar e ficar tristes
é essa a vida que nos pisa em todo o universo suspenso pelo cordel barato
que construímos em dias de chuva ao sol
e em dias de sol, sentados à lareira, bem pertinho do sol
onde fixamos, por fim, olhos felinos em achas coloridas
e os marcamos indeléveis, nas testas das nossas criancinhas
possuídas por espíritos, aliens e diabos
e quando por fim, o relógio ordenar a hora de morrer,
rimos e aguardamos sem respirar até a próxima volta no carrossel da vida
se o Pai estiver bem disposto
Sunday, March 13, 2005
ninfas
hoje o meu sonho sou eu
e as ninfas de sonho que habitam por debaixo da minha pele
e nas complexas circunvalações do meu cérebro
Saturday, March 12, 2005
auras e cores
auras e cores
navios do nosso entardecer
mensageiros do nosso querer abarcar
portadores da nossa líbido refreada
anunciadores da nossa desarticulação
expositores da nossa fé, por definição
auras e cores
auras e cores
Wednesday, March 09, 2005
Adoro
Adoro rebolar
Nos teus olhos
Gritar
Nos teus cabelos
Mastigar
O teu perfume
Navegar
Nos teus lábios
Perder-me
No teu desnorte
Esfregar-me
No teu calor
Tocar-te
Ao de leve nesses sonhos
Descer, radiante
As tuas costas
E encontrar
Encontrar-te
Sempre
Tuesday, March 08, 2005
Espectador
Espectador
Sou um espectador
Um mero espectador
Da vida
Cai-me em cima a chuva
Sinto calor
E os perfumes do Verão
A subir pelas narinas acima
Mas sou um espectador
Um espectador da vida
Sinto a dor
Quando o sangue jorra
Ou aquela cá dentro
Quando pisam qualquer coisa
Mas sou um espectador
Um espectador da vida
Gelo de frio
Quando o vento cortante
Acaricia a minha face
E penetra nas roupas quentes
Mas sou um espectador
Um espectador da vida
A vida passa por mim
Sem pedir licença
Esvai-se nos anos
Sem pedir perdão
Mas sou um espectador
Um espectador da vida
Vejo-me, atónito
A ser o que sou
A fazer o que faço
Que representação
E as outras caras
As máscaras variadas
Recurso de actor
E as outras vidas
Que se somem igualmente
Que se transfiguram
E me transformam
Em mais um novo outro
Em mais um espectador
Um espectador da vida
É então que, alarmado, compreendo
Que eu não sou um mero espectador da vida
Sou uma multidão que assiste
E que, no entanto, não são eu
Porque eu sou outro
O outro que assisto impávido
À multidão de eus que assistem
Espectadores da vida
Meros, meros espectadores…
Com coragem
Com coragem
Sem nunca desistir
Mas sem nunca chegar
Os horizontes sucedem-se
Como galáxias e vias lácteas
Com coragem
Atravessamos os mares do medo
Enfrentamos os monstros da nossa condição
Novas naus e novos caminhos
Sem olhar para trás
Ou ouvir os velhos do Restelo
Que se nos pesam na alma
E nos arrastam o espírito
Procuramos novos impérios
Novas formas
De viver a nossa humanidade
Com coragem
Sunday, March 06, 2005
o tempo, o amor
e o saber
e a dor
e a lealdade
são visões num poliedro de infinitas faces
corporizado pela interpenetração
do tempo e do amor
são os suspiros de uma carne
os perfumes de um anseio
os olhares de uma festa
o calor da proximidade ... e do toque
... não há mais nada
tudo o resto são infinitamente numéricas e infinitamente complexas
manifestações destas expressões matemáticas vivas
e, no entanto, não sabemos nada
quem vem por aí ao coberto da noite
temos medo
temos surpresas
não temos nada
e na terrível encruzilhada de tempo e de amor que se projecta nas dimensões
e onde estão desenhadas todas as linhas da vida
e todas as ocorrências a que chamamos o nome oco de espaços
vemos as estrelas
tocamos as estrelas
somos as estrelas
e morremos, embevecidos
pela intensidade amorosa das estrelas
Friday, March 04, 2005
somos marginais
somos marginais e temos orgulho
se o mundo é uma lixeira, felizes os que se conseguem manter na margem
Wednesday, March 02, 2005
Tenho testemunhas
Tenho testemunhas dos meus actos impróprios
Tenho vozes que se levantarão para me condenarem
Tenho irmãos
Tenho sonhos
Tenho amor
Mas não tenho perdão!
Tuesday, March 01, 2005
como se nada fosse
... e atravesso a rua, como se nada fosse
digo bom dias, como se nada fosse
e penso em coisas ... como se nada fosse
mas as feras dentro de mim rugem ainda, embora entorpecidas
e a música ainda me causa orgasmos de sentimento
ainda faz correr lágrimas, como se de um retorno se tratasse
há um amor esquecido em cada um de nós
uma ternura e uma raiva à espera de uma fraqueza
para se pavonearem impunes e provocadoras
como um par de mulheres