Monday, February 28, 2005
o sal da vida
num dia ou noutro espaço, o importante é o amor
num amor ou noutra loucura, o importante é o tempo
e não se tem absolutamente nenhum poder sobre nenhum deles
é engraçado, as marionetas que encarnamos perante o amor e o tempo
é, de certeza, o sal da vida
Sunday, February 27, 2005
Anacronismo no meio do deserto
Anacronismo no meio do deserto. Anacronismo do tempo, no espaço. Cultura versus tradição. O aço cinzento, imaculado, no verde e terra. Oásis anacrónico. Bonecos desarticulados ao sabor da agressão sonora. As cores e as luzes a confundirem em vez de clarificarem e iluminarem. No entanto, o sabor do gin a adoçar-me os sentidos, a cumplicizar-me. A mímica dos rostos e das bocas, sorrisos e olhares mudos. O amargo do doce violento envolve-nos e absorve-nos, à medida que nos viola. O meu cérebro contenta-se, enfim, com o seu descontentamento. Diverte-se com a sua ausência, com o seu não envolvimento com o presente, com a sua passividade crítica confortável, no seu juízo perfeito e alienado. Embrenhado no anacronismo, vencido mas vencedor. Os sabores verde e terra embotados mas presentes, indeléveis, e felizes, prisioneiros. O fumo do tabaco enleia-se, nos cabelos e nas ideias, violenta as narinas, mas acalma as dúvidas, as incertezas. Dulcifica-me enquanto me assassina. Eleva-se um universo de baixeza, um navio das profundezas do mar, onde não chega a luz. Universo de loja, de hipermercado. Não deixem as pérolas do meu pensamento soçobrarem sob as vagas dos non sense comuns em anacronismos. A nós, a terra e o verde. Aqui d'el Rei. Movimentam-se sombras, para além do meu quotidiano, empurradas por aquilo que eu não quero. Pela abominação anacrónica do quotidiano surreal. Pela máquina subjugadora, personificada pelos gonzos soltos do anacronismo real. Declino por não poder conter torrentes de lava ardente, alucinações colectivas onde não entro, sonhos pacíficos, carneiros, estupidificantes. Uma luz branca não é suficiente, a maré de rosas espera-nos, do outro lado da Lua. Brisas saarianas agitam-nos e é o fim, a festa continua mas eu não me apetece. Rasgam-nos pelo meridiano oculto e fazem o que querem, violentos. Vagas de ratazanas musicais e de lobos visuais a beijarem as cadelas osculantes em delírio. É o negar de uma época, de uma raça, o alvorecer de uma nova desordem, a vitória do anacronismo, a morte do verde da terra, …de mim.
hoje só folhas estão
hoje só folhas estão
porque só folhas merecem estar
a água e o céu
as nuvens, os troncos
não passam de cenário de opereta
e onde estará o coração?
o espírito e a alma?
... só folhas estão
porque só folhas merecem estar.
Thursday, February 24, 2005
jaz, alojada
no mais abjecto silêncio
na mais anódima ideia
no mais confiante esconderijo
jaz, alojada
irrefutável e aveludada
repugnantemente larvar
e saborosamente reconfortante
a mais misericordiosa
esquizofrénica
colorida
e gargalhante
total e culminada
falta de imaginação para escrever qualquer coisa de jeito.
Wednesday, February 23, 2005
quem sois vós
quem sois vós, figuras de proa, figuras de pedra
que passado contemplais, que horizonte ousais
que futuro consertais nos olhos cegos da imortalidade pétrea
que horrores passastes
que sonhos perdestes
que amores encontrastes
que ódios saboreastes
que entardeceres perdoastes
que silêncios suportastes
que saberes esquecestes
que sentimentos descobristes
quem sois vós, que vedes no horizonte
a pedra do vosso perder
em vão afogadas caravelas de sentimentos
neste mar revolto do esquecido ser
Tuesday, February 22, 2005
estendo os braços
estendo os braços e não chego ao mundo
estendo o olhar e o horizonte escapa-se-me
abro os braços num abraço
e nada abarco
o meu centro deprime-se, muda de cor
a energia é agora amarga
e a minha roupa pesa toneladas
o que espero?
o que esperamos todos?
grandes coisas se preparam para breve...
Monday, February 21, 2005
... e atravesso a rua
... e atravesso a rua, como se nada fosse
digo bom dias, como se nada fosse
e penso em coisas ... como se nada fosse
mas as feras dentro de mim rugem ainda, embora entorpecidas
e a música ainda me causa orgasmos de sentimento
ainda faz correr lágrimas, como se de um retorno se tratasse
há um amor esquecido em cada um de nós
uma ternura e uma raiva à espera de uma fraqueza
para se pavonearem impunes e provocadoras
como um par de mulheres
Friday, February 18, 2005
gosto de pôres do sol
gosto de pôres do sol que se me encaminham fundo
que latejam como uma grande febre
que me consomem como anos
que me ardem
que me transformam em pó
pó dos anos e dos milénios
que é feito de ti, amigo?
que é feito do grande sol?
verdade incompreensível
achado precioso e transcendente
queimadura incurável nas nossas almas rasgadas e impacientes
és um verdadeiro cavaleiro
golpeando inimigos a toda a brida
e porque é que o mar aceita todos esses cais que se lhe penduram?
e os peixes, porque dormem eles?
se calhar, também quero comer algas e beber sal
respirar a vida e trespassar-me de luz
rasgar o verde ... o nosso verde
e espreguiçar uma vontade nunca confessada, mas sempre presente
Eu gosto das minhas virgens
Eu gosto das minhas virgens pálidas como a lua,
cabelos compridos como a via láctea
entranhas ardentes como um sol
Eu gosto das minhas virgens submissas e pintadas
de ventres brancos expostos ao calor das estrelas
ao frio gélido do silêncio da noite
nuas, sob o olhar dos deuses
ante os reflexos mágicos dos espelhos
desejos ardentes que se multiplicam
e não se apagam nunca
Wednesday, February 16, 2005
gostava de acordar
gostava de acordar normal um dia
e morrer, enfim, em descanso...
sou velho, muito velho
cansado de ser eternamente jovem
pois, ser jovem cansa
e quando se tentam afastar as massas estáticas
depois do esforço extremo
geram-se grossas ondas
que nos atingem, insanas
e voltam ao ponto morto
... lei da natureza que os vivos teimam em contrariar
e vivem uma vida inteira para provocar ondas e sofrer com elas
e depois morrer no ponto morto ... ambos
Tuesday, February 15, 2005
e é desta vez
e é desta vez, finalmente
as brumas que suspiram madrugadas idas
cantares estropiados de amazonas caídas no campo de batalha
outonos do cair da noite, por sobre o corpo do dia
vencido, por fim, imóvel e vulnerável
cascatas de feitos heróicos
que desfilam quando menos se espera
amores perdidos que dão a ilusão de reencontros
madrugadas vítreas conspurcadas pela loucura baixa da lua
purificadas pelas garrafas de álcool e pelos corações cheios de amor
e queimados, vazios de energia
Monday, February 14, 2005
Sunday, February 13, 2005
a noite por vezes
a noite por vezes dói-me
e os sons tornam-se insuportavelmente puros
e insuportavelmente intensos
e a magia brota, indisciplinada
as pontas dos dedos animam-se de livre arbítrio
e de uma vontade férrea, inútil contrariar
e se vejo os carros lá em baixo, é porque olho lá para baixo
porque estou lá em baixo
porque alguém está lá em baixo
e isso dói-me
Saturday, February 12, 2005
apenas tudo!
olho para as estrelas, galáxias distantes
percorro-as todas com o olhar
penso em todos os planetas do universo
percorro todos os cantos do infinito
e não encontro
não encontro nada além de tudo!
e tudo é uno!
não há morte nem distância
não há dor ou pensamento
apenas tudo!
espreitar
espreitar para dentro do recorte da lua na noite escura
e descobrir no outro lado outra noite, branca com uma lua negra.
Thursday, February 10, 2005
É noite outra vez
e é noite outra vez
hora de tentar recuperar o que intencionalmente perdemos
o que intencionalmente consentimos que nos roubassem
a vida para ganhar outras vidas
a morte para tentar compreender a vida
é hora de voltar à toca e iniciar um longo inverno de hibernação
onde iremos ganhar ao fogo do sonho
o calor para despertar uma nova primavera
para iniciar uma nova caminhada
mais um passo naquela direcção
ou noutra direcção qualquer
mas o importante é a respiração
e a vitalidade inspirada
que marca, passo a passo
o religar das emoções
e os loucos devaneios da noite
... outra vez.
Chat 1997
verde de novo e o azul ganhou de novo o brilho transparente
No meu mundo não há sol
No meu mundo não há sol
… há muitos milhares de anos condenado à sombra perpétua.
Saboreio languidamente as minhas memórias de sol,
pássaro que na gaiola
recorda do céu o azul e o infinito,
peixe que no aquário
anseia pelo mar maior que o universo.
Não há nada de novo na memória,
na emoção,
no sonho,
na ilusão,
na decepção…
A vida tem ritmos próprios,
noites estreladas e noites mudas,
dias dias e dias noites,
noites dias e noites noites.
Há muitos milhares de anos
Rio 2
o Rio ...
como epiderme de seda
rasgada pelos dentes afiados da ambição humana ...
o Sol ... acaricia-o com os seus dedos quentes mas ...
mas ele está já frio, morto e sem vida
e espraia-se, como um cadáver memorial, denunciando os homens,
amando os poetas, partilhando o choro das mulheres ...
... afagando o seio da Terra, recebendo os beijos do Céu ...
Ide repousar em paz, oh meu Rio! ... no amor paternal do Mar Imenso ...
Hoje
Hoje é mais um dia cheio de noite
o chão luzidio e o frio na alma
olhos de Inverno espelho partido
e, mais uma vez...
árvores que jazem
enforcadas nos próprios ramos
a chuva a cair
e as lágrimas... oh, as lágrimas
não são já suficientes
para a diluir.
Wednesday, February 09, 2005
Nunca sabemos
nunca sabemos para onde vamos
nem como
por vezes ... há um apetecer fortíssimo
mas nunca conseguimos definir de quê
e ali ficamos, vítimas e carrascos
à espera que venha alguém ou algo que faça sentido,
que aponte qualquer coisa, sei lá
fazemos figura de parvos à espera
ridículos na paragem do autocarro
com destino ao Nirvana mais próximo e mais barato
olhamos céus azuis há tanto tempo que já nos parecem cinzentos
olhamos, mas nunca nos é permitido alcançá-los
nem tocá-los, sequer ao de leve
caminhamos satisfeitos pela terra que,
quando nos apercebemos,
deixou de ser nova
onde está o perfume
o delírio das cores
a orgia das formas
o deleite do calor do sol
a doce carícia do luar
sempre o mais erótico
e a promessa
a promessa
fomos enganados
não foi para esta viagem que pagámos
já não tenho medo de nada
nunca sabemos onde vamos
já não me apetece queimar olhos em olhares de fogo
aspirar o perfume subtil de cabelos de sereia em chamas
já não me apetece transcender-me e retornar
sublimar o mais negro da maior profundidade do ser
e ascender envolto no mais delicado perfume
na mais alva virtude
ascender
já não me apetece
quero mesmo é rastejar no meio dos excessos corruptos
deliciar-me com as maiores enormidades debaixo do sol
sorrir enquanto imolo fatias inteiras do meu próprio cérebro
empréstimo inútil ... extra de luxo que se tornou um empecilho
quero o meu dinheiro de volta
e parece que ainda há uma coisa chamada amor
que nos escorrega por entre os dedos
e não mais o contemos
maravilha prometida
tão falsa como todas as outras
divina loucura, bizarria infame
monumento ao erro
nunca sabemos para onde vamos
Nunca mais
Nunca mais
nunca
o amor
aquele amor
o desespero
a ânsia ardente
a insegurança doente
agora entrego-me
ao amor quente
e não à insanidade ardente
qual a diferença?
toda
é a diferença do céu e da terra
só aparentemente insuspeita
só aparentemente ilusiva
o que não posso agora é perder a calma
arriscar-me a uma perda quase irreversível
o desespero
a ânsia ardente